Odontologia Atual

A Odontologia sempre esteve focada na prevenção de lesões
cariosas orientando os pacientes quanto à higienização adequada, redução do
consumo de açúcares e, ainda, muitas vezes, o uso de soluções fluoretadas. No
entanto, a Odontologia atual se depara com um novo desafio e deve ir muito além
disso! No meu consultório, nos dias atuais, me deparo mais com lesões não
cariosas do que lesões cariosas. Observo jovens com perda de estrutura dentária
avançada compatível com a condição bucal de pacientes idosos. O que está
acontecendo? Como podemos prevenir essa situação?
Quando
os dentes surgem na infância, sua forma, tamanho e posição são, em sua maioria,
perfeitos. Mas a exposição a certos alimentos e a presença de algumas
patologias podem acelerar o processo do envelhecimento dos dentes. Os dentes
fazem parte do sistema estomatognático, que nunca está estático e sofre
mudanças continuamente. A adaptação é um conceito fisiológico chave e à medida
que os dentes se desgastam, o sistema estomatognático tende a compensar de
forma adequada. Muitas pessoas não sabem que seus dentes estão desgastados. No
entanto, o desgaste resultante do amolecimento do esmalte e da dentina pode
originar complicações estéticas, ortodônticas e funcionais e / ou impacto
endodôntico, incluindo sensibilidade ao frio e à dor. Pode ser necessária a intervenção
restauradora ou mesmo orientações para que esse processo possa se estabilizar.
Uma das
causas do envelhecimento dos dentes é o desgaste causado pelo processo
corrosivo. Uma revisão sistemática de 2015 estimou a prevalência global deste
desgaste em dentes permanentes de adolescentes em aproximadamente 30% ( Salas
et al; 2015). Esta elevada incidência é problemática uma vez que o dano é
irreversível, sendo que pode ser causado por fatores internos ou externos. Os
fatores internos incluem refluxo gastroesofágico e distúrbios alimentares com
vômitos, enquanto a ingestão de alimentos e bebidas ácidas são fatores
externos. Uma alta ingestão de bebidas ácidas é considerada a principal causa
externa de desgaste dentário corrosivo entre os jovens nos dias atuais (Melbye
EL, et al; 2020). Há evidências relativamente boas de que a prevenção do
desgaste dentário é eficaz e o aconselhamento dietético, abordando os fatores
de risco, é indicado desde os estágios iniciais do diagnóstico. (Bartlett D,
O'Toole S; 2020).
Dos 212
artigos revisados, dois estudos clínicos randomizados de intervenção
demonstraram uma relação causal entre o desgaste dentário corrosivo e um fator
de risco. O primeiro avaliou aqueles com uma alta frequência de ingestão de
ácido dietético entre as refeições e aqueles que reduziram a ingestão de ácido
na dieta entre as refeições tiveram uma redução de sete vezes na progressão do
desgaste dentário erosivo em comparação com aqueles que mantiveram a frequência
de ingestão de ácido na dieta entre as refeições (O'Toole et al; 2017). O segundo avaliou pacientes com refluxo
gastroesofágico que foram designados aleatoriamente para receber inibidores da
bomba de prótons ou um medicamento placebo. Os autores mediram a espessura do
esmalte ao longo de um período de 3 semanas e observaram que aqueles cujo
refluxo foi suprimido reduziram o nível de desgaste pela metade durante o
período de investigação de 3 semanas (Wilder-Smith et al; 2009).
Condições que aceleram a degradação química dos dentes
(baseado no livro de Soares PV; Grippo JO; 2017):
1) Bochechar
bebidas ácidas antes de engolir;
2) Consumir
bebidas ácidas antes de dormir, uma vez que a saliva está reduzida durante o
sono;
3) Consumir
frequentemente bebidas ácidas;
4) Uso
indiscriminado de enxaguantes bucais;
5) Bruxismo;
6) Higienização
insuficiente deixando placa bacteriana sobre a superfície dentária;
7) Aparelhos
ortodônticos e grampos de próteses removíveis podem causar as lesões não
cervicais.
As
bebidas mais ácidas são os refrigerantes à base de cola (pH 2,5), sucos de
frutas cítricas (em média pH 3,5), bebidas esportivas (pH 2,95), bebidas
alcoólicas como vinho (pH 3,3 a 3,7) e cerveja (pH 3,7 a 4,1). Visitas mais
frequentes ao dentista podem detectar o problema de desgaste dentário,
preveni-lo ou tratá-lo.
Referências
Bartlett D, O'Toole S. Tooth Wear: Best Evidence Consensus
Statement. J Prosthodont. 2020 Dec 17. doi: 10.1111/jopr.13312. Epub ahead of
print. PMID: 33350551.
Melbye EL, Naess L, Berge AB, Bull VH. Consumption of acidic
drinks, knowledge and concern about dental erosive wear in Norwegian high
school students. Acta Odontol Scand. 2020 Nov;78(8):590-598. doi:
10.1080/00016357.2020.1761030. Epub 2020 May 14. PMID: 32406299.
O'Toole S, Newton T, Moazzez R, Hasan A, Bartlett D.
Randomised Controlled Clinical Trial Investigating The Impact of Implementation
Planning on Behaviour Related to The Diet. Sci Rep. 2018; 8: 8024.
10.1038/s41598-018-26418-0
Salas MMS, Nascimento GG, Huysmans MC, et al. Estimated
prevalence of erosive tooth wear in permanent teeth of children and
adolescents: an epidemiological systematic review and meta- regression
analysis. J Dent. 2015;43(1):42–50.
Wilder-Smith CH, Wilder-Smith P, Kawakami-Wong H, Voronets
J, Osann K, Lussi A. Quantification of dental erosions in patients with GERD using
optical coherence tomography before and after double-blind, randomized
treatment with esomeprazole or placebo. Am J Gastroenterol. 2009; 104:
2788-2795. 10.1038/ajg.2009.441