A boca envelhece? Como podemos saber se as alterações são fisiológicas?

Envelhecemos e não podemos fugir dessa realidade. Obviamente, existem caminhos que tomamos que tornam esse processo menos doloroso. Caminhos de cuidados emocionais e físicos. A visão, audição, pele, coração, além de outros, envelhecem. Mas, o que isso tem a ver com a boca? O sistema mastigatório não pode ser isolado dos outros órgãos e sistemas do corpo. Como exemplos, o sistema cardiovascular deve ser capaz de responder ao estresse apresentado pelo atendimento odontológico, medido pelas mudanças necessárias na pressão arterial e prevenção da hipotensão ortostática; o sistema pulmonar com reflexo de tosse normal deve garantir a depuração adequada das secreções orais; e a função musculoesquelética deve permitir que o indivíduo pegue uma escova de dentes e demonstre a destreza necessária para realizar procedimentos de higiene bucal (Lamster IB et al; 2016).
A boca também envelhece
Mas vamos nos
concentrar na boca, que também envelhece. Os dentes, suas estruturas de suporte
e componentes esqueléticos e musculares associados, incluindo a mandíbula e a
maxila, as articulações temporomandibulares e os músculos da mastigação, formam
um sistema notavelmente eficaz e confiável chamado sistema estomatognático.
Este sistema é responsável pela mastigação e digestão inicial dos alimentos e,
como tal, geralmente funciona ativamente pelo menos três vezes por dia a partir
do momento da erupção dentária. Além disso, temos patologias como o apertamento e bruxismo que aumentam ainda
mais essa função. No entanto, com cuidados regulares, este sistema pode funcionar
eficazmente durante toda a vida útil do indivíduo (Lamster IB et al; 2016).
As doenças da cavidade oral são as desordens crônicas mais comuns que afetam os indivíduos. Apesar disso, a perda do dente não constitui uma consequência normal do envelhecimento, mas uma consequência dos eventos que ocorrem durante a vida. O envelhecimento é um processo normal, mas indivíduos em uma população envelhecem de forma diferente. Embora isso também seja verdade para a cavidade oral, os distúrbios da dentição são cumulativos, conforme ilustrado pelas possíveis sequelas de cárie dentária. No continuum do desenvolvimento da cárie, uma pequena lesão é restaurada, seguida no tempo pelo desgaste da restauração e / ou cárie recorrente e, em seguida, substituída por uma restauração agora maior, que pode levar a fratura dentária, envolvimento endodôntico, algumas vezes pinos ou núcleos intra-canais, fratura do dente e a possibilidade da sua remoção como resultado dos efeitos cumulativos da doença e do tratamento anterior. Os dentes também são perdidos porque a doença bucal (como cárie e doença periodontal) não é tratada. É preciso romper essa sequência! Isso não pode ser a nossa realidade! Isso não é normal!
Mas o que é normal no processo do envelhecimento dos dentes?
Desgaste do esmalte; lascamento e
aparência de linhas de fratura, com coloração das áreas lascadas e linhas de
fratura; exposição da dentina, que se desgastará mais rapidamente que o
esmalte; e deposição de dentina secundária, reduzindo o tamanho da câmara
pulpar e dos canais (que é frequentemente observado radiograficamente). Como
parte do envelhecimento normal, os dentes geralmente têm uma cor mais escura,
resultado da combinação da deposição de dentina secundária, afinamento do
esmalte e acúmulo de manchas na superfície.
Picos de cárie
Mesmo que tenhamos a impressão que idosos têm menos cárie, devemos levar em consideração que existem três picos de atividade desta doença, que ocorrem nas idades de 6, 25 e 70. O pico aos 70 anos está relacionado à presença de cárie radicular / cárie, representando o efeito do aumento da retenção dentária em adultos mais velhos, com superfícies radiculares expostas como resultado da perda do suporte periodontal. Com a tendência de maior retenção de dentes ao longo da vida, no futuro, a prevalência de cárie radicular pode aumentar (Kassebaum NJ et al, 2015).
Fatores de risco para periodontite
Em idosos, os
fatores de risco para periodontite são os mesmos que para os mais jovens. No
entanto, esses fatores de risco podem ser mais proeminentes em indivíduos mais
velhos, que podem ser menos capazes de remover depósitos de placas como
resultado de uma destreza reduzida, ter uma acuidade visual diminuída ou um
risco aumentado de desenvolver condições contribuintes, como diabetes mellitus.
Com o envelhecimento saudável, os tecidos periodontais são reduzidos, mas
funcionais. Há um aumento na relação coroa-raiz, os dentes têm
apenas mobilidade fisiológica, profundidades de sondagem são ≤ 4 mm e
inflamação gengival pode ocorrer em muitas áreas da boca, mas não é
pronunciado. Desvios deste padrão podem ser considerados patológicos. O
tratamento pode ser necessário, mas deve ser visto de uma perspectiva ampla. O
tratamento pode envolver a modificação de fatores gerais de risco à saúde (por
exemplo, controle metabólico aprimorado se houver diabetes mellitus e cessação
do tabagismo) e fatores de risco específicos para a saúde bucal (por exemplo,
modificação do cabo da escova de dentes para ajudar pessoas com alterações
artríticas nas mãos, e aumento da frequência de visitas profissionais de
profilaxia). A terapia mecânica deve ter como objetivo a remoção do biofilme, e
os procedimentos cirúrgicos devem ter como objetivo melhorar o ambiente para
permitir a remoção da placa e não apenas reduzir a profundidade da sondagem
(Darby I, 2015).
Função mastigatória e envelhecimento
A função
mastigatória é geralmente reduzida em associação com o envelhecimento. Isso é
resultado da redução da massa muscular que afeta os músculos da mastigação
(Goodpaster BH et al, 2006). O número de ciclos de mastigação necessários para
reduzir um bolo alimentar para a deglutição aumentou com o aumento da idade,
mas a idade em si não foi associada a uma capacidade diminuída de reduzir o bolo
(Peyron MA et al, 2004). Isto, muitas vezes, leva a subsituição de uma dieta
rica em fibras (por exemplo, frutas e vegetais) e alta proteína (por exemplo,
carne e aves) para uma que contenha mais carboidratos (por exemplo, pão e
macarrão) que exija menos eficiência na mastigação. De maneira interessante, em
um estudo transversal de idosos que residiam na comunidade e sem déficits
cognitivos, que foram hospitalizados por problemas médicos agudos, a má saúde
bucal foi associada a uma redução na massa celular corporal, que é uma medida
do estado nutricional. Isso era verdade mesmo após a consideração de variáveis
confusas. Entretanto, como um estudo transversal, não é possível saber se
houve uma relação de causa e efeito (Solemdal K et al, 2009).
O que deve ser enfatizado é que a saúde
bucal está relacionada à saúde geral e que a boa saúde bucal faz parte do
envelhecimento bem-sucedido. Profissionais de saúde bucal devem avaliar o
status oral de um idoso em termos de função e presença de doença. Os cuidados
prestados devem ser apropriados para cada paciente, com base em seu estado de
saúde e desejos pessoais. O desenvolvimento de um plano de prevenção é
essencial, deve ser personalizado para cada indivíduo.
Leituras sugeridas
Darby I. Periodontal considerations in older individuals. Aust Dent J
2015: 60(Suppl 1): 14–19.
Lamster IB, Asadourian L, Del Carmen T, Friedman PK. The aging mouth:
differentiating normal aging from disease. Periodontol 2000. 2016
Oct;72(1):96-107. doi: 10.1111/prd.12131.
Goodpaster BH, Park SW, Harris TB, Kritchevsky SB, Nevitt
M, Schwartz AV, Simonsick EM, Tylavsky FA, Visser M, Newman AB. The loss
of skeletal muscle strength, mass, and quality in older adults: the health,
aging and body com- position study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006: 61:
1059– 1064.
Peyron MA, Blanc O, Lund JP, Woda A. Influence of age on adaptability of
human mastication. J Neurophysiol 2004: 92: 773–779.
Kassebaum NJ, Bernabe E, Dahiya M, Bhandari B, Murray CJ, Marcenes W.
Global burden of untreated caries: a systematic review and metaregression. J
Dent Res 2015: 94: 650–658.
Solemdal K, Sandvik L, Moinichen-Berstad C, Skog K, Wil- lumsen T, Mowe
M. Association between oral health and body cell mass in hospitalised elderly.
Gerodontology 2012: 29: e1038–e1044.